Crônica de Domingo: Êxtase, Ressaca, Desespero

_ Por que você não vem aqui em casa agora?
Gelei.

Estava tudo muito tranquilo enquanto tudo que eu tinha que fazer pra manter o Esaú na minha era ter longas conversas por texto no celular.
Foi um longo processo até ali, e sem pressa. Eu já o conhecia bem, ele tinha a confiança rara de ser controverso sem pedir licença. Ser controverso não era algo permitido na Zona Sul. Se engajar num processo sem pressa era D.O.A na Zona Sul. Ah, como eu sabia disso!
Eu estava brincando com a Providência. Quer seja a Divina, a Veraneia ou, resumidamente, Ipanêmica. E enquanto eu digitava e suava naquela prorrogação do verão, eu sabia que cada nova frase que ia ou vinha poderia ser a última. E mesmo sendo um romântico não-praticante, eu ainda era um romântico. E já me sentia assombrado com a ideia de perder tudo aquilo. Perder o Esaú seria o fim definitivo daquele verão, que às vezes já terminou com um gosto amargo. E eu ainda tinha muitos dias pela frente.
Aquela pergunta me trouxe de volta da exaltação, do susto a cada controvérsia - que se seguia de excitação -, do sorriso no canto do lábio, para o meu mundo sensível. E meu súbito silêncio, contrastado com minha rapidez de quem baixava cartas na mesa, trazia a urgência de responder logo.

Eu precisava responder. O tempo me comprimia traduzido no celular que começava a escorregar da minha mão.

Mas o que aconteceria quando ele me visse em 3 dimensões? Quando não eram mais fotos escolhidas a dedo com a melhor luz, com o controle dos ângulos, em momentos em que meu sorriso saiu fácil? Eu tinha no bolso minha lista costumeira de porquê-nãos.
Ao mesmo tempo, meu lado destemido [hahah] que até então apenas se permitia falar baixinho, bem baixinho, o suficiente pra causar uma faísca de eventual dúvida em mim, ansiava por viver aquilo. Quantos Esaús existiam ainda no mundo?

_ Tô livre hoje, mas a partir de amanhã entrego meu apartamento pra uns estrangeiros. Aluguei pra eles pro Carnaval - preciso do dinheiro.

Eu, que só tinha o Carnaval, que pretendia continuar aquela conversa gostosa por mais sete dias, que escondia meus risinhos do meu amigo que me acompanhava, já satisfeito por ter me deparado com algo tão diferente de tudo na homogênica oferta carnavalesca, que, sabe-se lá Deus, por algum motivo continuava a me procurar, de repente só tinha aquele último dia.

_ Claro, Esaú, por que não? Me passa seu endereço de novo, tô livre agora.

Eu estava no limiar de estar totalmente bem comigo mesmo. Como pessoa, já estava há alguns anos, depois da última porrada que tomei. Já com meu corpo... Err... tinha melhorado nos últimos 3 meses. Mas eu precisava de mais 3 meses. Pra Copacabana, digo. Pra Ipanema, somaria mais 3 meses. Pro Leblon, definitivamente ainda mais 3 meses.
Ainda assim, no caminho bebi de golada em golada 3 latões de cerveja da mais pura frutose e álcool. Era isso ou eu nem chegaria lá. O som no último volume dos meus fones também me ajudou a sair da realidade e não tremer. Foram uns sete quarteirões, deu tempo.

Ele abriu a porta do apartamento vestindo uma camisa do Flamengo e um short... permissivo. Abriu um sorriso enorme e me chamou pra entrar logo. Me veio um sentimento intenso de alegria, e foi como se apenas estivéssemos continuando a conversa por texto.

_ Você quer uma cerve-
_ Sim.
_ Não vou beber, preciso resolver umas coisas mais tarde. Mas vou fumar unzinho, se importa? Aceita?
_ Não, só a cerveja já tá tranquilo.

Ele saiu fechando todas as janelas da sala. Acendeu seu "unzinho", colocou uma música - surpresa ele conhecer aquela banda - se sentou no sofá com as pernas peludas bem abertas no seu short permissivo. Meus olhos foram instantâneos. Ele se levantou imediatamente: _ Ah, sua cerveja. Vou buscar.

Aquele deveria ser um dos últimos apartamentos no interior de Copacabana que eram gigantes, que não tinha sido dividido em 5 quarto-e-sala pra alugar. Talvez por isso ele tenha demorado tanto na sua ida até a cozinha, ou talvez era apenas os 3 latões de cerveja que estavam me deixando flutuar no sofá. Olhei bem em volta: o aparelho de som antigo de quem presa pela qualidade de som. Na parede ao meu lado, estavam emoldurados alguns traços de um edifício Le Corbusier. Me lembrou um documentário que eu tinha visto que ia mostrando na tela em rascunhos os traços de Niemeyer. Da cabeça direto pro papel. Você também, Esaú?

Voltou já com duas garrafas.

Esaú era grisalho. Só o bigode e as sobrancelhas se mantinham totalmente pretos. Um dos caras mais bonitos com quem eu já havia estado. Magro como naquele momento eu pretendi ser. Peludo enquanto todos se raspavam. Os cílios negros fartos, os olhos profundamente e perfeitamente negros - puxados nos cantos - e a avidez que vinha deles deixavam cada olhada dele submergir as camadas do que ele olhava. Fosse um quadro. Fosse eu. Fosse seu cigarro. Apreciando-o após cada tragada.

Se ele era controverso por texto, ali, só nós dois e ele já no seu segundo "unzinho", ficou mais controverso ainda. Bem mais. Falou coisas que até então eu nem sabia que alguém era capaz de pensar.
Já velhos conhecidos, a conversa durou por horas. Pode parecer estranho dada a situação, mas foram horas apenas sentados no sofá conversando. Rápido eu já terminei as duas garrafas de cerveja. Vieram mais. Mais cigarros.
Resolvi comentar do quadro do Le Corbusier na parede. Um novo Esaú apareceu, um novo Bjorn apareceu: Ele também viajava pra ver prédios, e ele também se frustrava se quem estava junto não via qualquer sentido nisso. Com certa dificuldade, minha, para levantar, ele me levou para um tour por quase todo o apartamento. Íamos parando em frente a cada quadro. Vinha uma longa história, seu olhar se perdia no quadro, o meu também. Logo meu olhar se perdia nele, seu olhar se aprofundava em mim. Próximo quadro. Nova viagem, com longas viagens de metrô e trem, pra que ele pudesse ver aquele prédio de perto. Até os Niemeyers que estavam espalhados pelo mundo e que eu ainda não tinha visto. Nova reclamação sobre o ex-namorado que não entendia eles terem que ir tão longe, ter tanto trabalho, pra parar na frente de um prédio e ficar olhando. Um prédio parecia algo "tão mundano quanto um semáforo". Por isso que na maioria das vezes eu viajo sozinho, comentei.
Aquele apartamento não acabava - interior de Copacabana de outrora - e eu tava achando ótimo.

Por outro lado...

A conversa tava tão boa que não havia saída: depois de me conhecer pessoalmente, Esaú preferiu a minha conversa em detrimento do meu corpo. Eu meio que entendia a conclusão dele, imaginando que algum dia no futuro eu me veria na mesma posição que ele.

Eu estava em êxtase.
Mas um temor, um temor reverente, começou devagarinho a surgir em mim. Eu sorria acompanhando os olhos dele em mim, de volta ao quadro, em mim, mas esperava que a qualquer momento acabassem as palavras, ele ficasse em silêncio por uma dobrada de tempo, e dissesse que tinha outro compromisso, que foi um prazer me conhecer, que a gente poderia conversar mais vezes, sei lá, no futuro.
Assim que ele terminou seu quarto (?) cigarro - sei lá, acho, parei de contar - a gente em pé no corredor na frente de um quadro, ele me convidou para ir pro quarto. Era a única parte do apartamento a que eu ainda não tinha sido apresentado. Mais um quadro. Sobre a cama, aquele quadro definitivamente era o plat de résistance. Eu fiquei em profundo silêncio, admirando, admirado, boca entreaberta, uma mão no bolso, a outra segurando uma garrafa de long neck - acho que eu tinha acabado já com todo o estoque da casa - que nem notei que ele também estava em eloquente silêncio.
Senti sua mão sobre a minha, me tomando a garrafa de cerveja. Bem de vagar, cuidadosamente, ele colocou a garrafa sobre um anteparo acima da cabeceira da cama, sob o quadro. Calmamente tirou um cigarro de dentro do criado-mudo, acendeu, tragou, e o colocou também cuidadosamente, posicionando de forma que não caísse na cama mas também não estragasse o anteparo, ao lado da minha garrafa. Da sala, começou uma música que no videoclipe estrelava uma garota americana loira, junto de sua amiga morena, por quem tive minha primeira e segunda, respectivamente, paixonite adolescente, "acting crazy" e levando junto um agroboy ingênuo.
Comecei a esboçar um sorriso no canto do lábio lembrando disso, e fui me virando do quadro pra ele pra comentar esse caso apagado, como velhos bons amigos fazem. Ele me empurrou.
Caí sobre a cama, ele subiu em cima de mim e tirou a camisa do Flamengo. Seus cabelos foram repenteados pela passagem da gola. Seu short estava... mais apertado. Tirou do bolso uma camisinha e me mostrou. Meus olhos estavam no seu peito, mais peludo ainda que as pernas. Enquanto isso, ele aproveitou pra dar mais uma tragada. Me recostei sobre os travesseiros, ele pegou a garrafa de cerveja e posicionou na minha boca. Foram algumas goladas forçadas até não caber mais. Voltou a garrafa e o cigarro pro anteparo, e ali começou uma dinâmica de morde, morde e assopra que era... tudo muito novo pra mim. Principalmente o assopra. Principalmente o cuidado.
Os olhos intensos nos meus olhos o tempo todo se importando, e se certificando de que eu estava no mais longe que eu poderia chegar.

(...)
Eu estava levitando
(...)
no meio de uma mata.
(...)




Depois daquilo tudo no quarto, tivemos mais um longo silêncio eloquente - esse foi eloquente de verdade -, ainda deitados na cama, veio todo o papo que eu temi que viria lá atrás, sem a gente cumminar. Algo muito parecido com tenho outro compromisso (...) foi um prazer te conhecer (...) a gente podia conversar mais vezes, sei lá, no futuro.

Pra mim não tinha mais volta, eu estava extremamente Bjorn Nattevagten naquela altura, estava apaixonado.
Permaneci em silêncio preciso. Não consegui fingir que não me importava. Não falei nada engraçado. Não passei logo pra algo irrelevante. Não complementei o que ele dizia, como fiz enquanto víamos quadros. Apenas permaneci em silêncio. O silêncio é preciso, dizem.

Assim que a porta do apartamento se fechou às minhas costas, senti o peso das minhas pernas. Senti tudo que eu havia bebido sobre meu estômago vazio de quem tentava emagrecer há meses, e tinha tentado acelerar naquela semana, senti tudo que provavelmente havia respirado. Senti o peso de tudo que eu havia sentido - Prematuramente. Prematuramente natimorto. Senti a rejeição.

Voltei pro apartamento a pé - Eu costumo andar por Copacabana de fones e cantando, caso alguém queira me reconhecer na multidão, tá aí - mas permaneci em silêncio.  Não sei dizer se os tais sete quarteirões me pareceram mais infinitos no êxtase da ida ou na ressaca da volta. Eu estava fisicamente mal. Muito tonto, uma vontade imensa de vomitar mas que não se materializava. Uma dor-de-cabeça já de dia seguinte. A explosão que estava acontecendo na minha cabeça, no meu peito, puxava ainda mais minhas pernas pra baixo. Mas era necessário que eu voltasse pra casa a pé. E em silêncio. Não dava pra enfrentar imediatamente as perguntas que viriam quando eu chegasse no apartamento.

Seja como for, não dei chances pra nada. Entrei no apartamento, nem vi quem estava na sala, fui direto pro quarto, caí na cama e dormi.
Acordei 4 horas depois, já de noite, ensopado de suor. Não sei de onde tinha vindo o suor, o clima do dia tinha virado, estava bastante frio, senti calafrios quando me notei coberto de suor, inclusive. Muitas nuvens, algo incomum no Rio.

Quando saí do quarto para o banho, passei pelo meu amigo de Belo Horizonte na sala. Nesta altura, ele normalmente me perguntaria tudo. Detalhes do que aconteceu. Que eu negaria dizer, mas ele me perguntaria mesmo assim. Olhei pra ele, ele me olhou por alguns segundos. Claramente tentou não transmitir qualquer emoção pra mim, e voltou a olhar pro seu prato de jantar, ele comia lentamente, como que tentando não se mover muito - Seu prato de jantar era um salgado, um joelho. Comer somente um joelho durante todo o dia era uma tradição nossa, a quem possa interessar.

No fim do banho, me sequei na frente do espelho e olhei minha figura nua refletida nele.
Reparei lentamente meus cabelos, meus pelos, minha barba, meu rosto, meu corpo quase-lá-onde-eu-queria-que-ele-chegasse.
Sem mover um músculo sequer, lágrimas começaram a derramar.
Nem um soluço.
Nem um músculo se moveu.
Um silêncio muito preciso.

Achei aquilo ridículo.

Não sou dado a ter pena de mim, mas eu estava prestes a cair nessa. Era hora de sair e conhecer alguém numa boite. Que se dane a ressaca. Que se dane a dor.
As luzes enlouquecidas, pessoas se empurrando no balcão do bar, eufóricos cantavam em coro na pista, cantavam com força. Cenas, barulho, pessoas.
Tudo bem longe do meu silêncio que insistia em não passar aquelas imagens.

Avistei sentado junto ao último canto de bar que restava, onde ninguém ia porque sabia que não seria atendido, um homem uns 40 anos mais velho que eu. Ele, com sua garrava de vinho pra lá da metade e sua taça, claramente estava no mesmo silêncio que eu. Me sentei ao lado dele.

Ele levantou a cabeça um pouco pra ver quem havia sentado tão perto, eu estendi minha mão e a levantei um pouco mais. Ele estava prestes a chorar. Havia sido traído pelo marido.
Ficamos por um bom tempo conversando, compartilhando conversas e vinhos. Hora ele pedia uma garrafa, inacreditavelmente cara, hora eu pedia outra, a mais barata da carta. Ele não ligava, bebia do mesmo jeito. Éramos diferentes na nossa igualdade.
Talvez seja importante dizer que por "compartilhando conversas" quero dizer que falávamos sobre os problemas dele. Eu não disse nada sobre os meus. A grande questão era que, ao descobrir a traição, ele mandou o marido embora de casa. Pela conversa, estava empatada a dor de ter sido traído com a dor de ter perdido junto com um monte de malas a pessoa que ele mais amava no mundo, e com quem, pelo que entendi, ele tinha passado a minha idade junto. Tentei ajudar. Ele tinha poucas certezas absolutas naquele momento além de que seria incapaz de continuar com alguém que tinha traído tudo que eles tinham.

Cheguei ao meu limite, recebi um abraço que quase botou a perder as lágrimas firmemente contidas. Fui ao banheiro, lotado como todo o resto, e esperei na fila paralela pra o reservado. Não queria ninguém manjando meu pau no mictório coletivo. Não naquela noite.
A porta do reservado mais ao canto se abriu. Um casal. O moreno olhou em volta, depois olhou as duas filas, até parar em mim. Ao lado dele, de dentro do reservado e de costas contra a parede, um ruivo. O moreno acenou pra mim para entrar.

Pensei na merda que eu estava por dentro - talvez por fora -, pensei "Diabos, por que não?" e entrei.

O ruivo em silêncio. Nenhuma palavra. Virou um pouco o rosto tentando olhar pra trás, tentando ver quem tinha entrado quando ouviu a porta se fechar e a música da boite se abafar novamente.
O moreno explicou que aquele era o namorado dele, e que ele queria que eu comesse ele.

Cheguei meu rosto perto da parede pra poder ver melhor o ruivo. Ele era dos ruivos de olhos claros que ainda restam no país. Não do tipo mais comum que tem olhos negros, mais contrastantes com a pele alva, e consequentemente mais bonitos. Mas, que fique claro, ele era absurdamente lindo, um unicórnio no meu mundo, majestoso, que eu poderia cavalgar naquele reservado e que quebrando as paredes me levaria instantaneamente pra qualquer lugar da cidade, um Pégaso, lindo, lindo, lindo, que com suas asas fortes me deixaria sobrevoar qualquer lugar do mundo, uma cornucópia de felicidades no fim do arco-íris.
Enfim, sou louco por ruivos.

Ele tremia. Seus olhos azuis tremiam como quem mal conseguia segurar sua objeção. Claramente ele não queria aquilo, não era a dele. Estava participando daquele fetiche apenas pra satisfazer o namorado.

O moreno complementou "Ah, é pra comer ele sem camisinha, tá".

Peguei o maxilar do ruivo com a mão, ele bem mais alto que eu, e tentei puxar ao máximo de contra a parede o seu rosto em minha direção, ele tentou vir com o rosto de frente para ao meu sem sair da posição que ele tinha sido posto.
Vi ainda mais nitidamente seu rosto, agora melhor cortado pela luz. Era o ruivo mais bonito da década. Sua barba de cobre macio na minha mão, seu bigode espesso no meu polegar. Sua boca seca pela respiração esquentava minha mão cada vez em que o ar saía.
Senti nos olhos dele um pedido de socorro que ele não ousou fazer, apenas continuou se mantendo em silêncio, mas os olhos em pavor. A boca, que olhada com atenção, estava trêmula, eu não havia notado antes. Mas o silêncio em si, esse era bastante eloquente, ele mais que qualquer coisa, dizia tudo.
Puxei ainda mais seu rosto, quase até o limite dos ossos do maxilar e daquela posição, e beijei sua boca com o máximo carinho possível que eu poderia colocar em um beijo num completo Anônimo.
Virei pro namorado moreno e disse "Eu não transo sem camisinha".
Abri a porta e saí.
Ir à boite na condição que eu estava foi uma péssima ideia. Paguei minha conta e fui embora.



Em pouco tempo dentro do apartamento já começou a parecer que ia amanhecer, de banho tomado não consegui dormir e também não consegui ficar por lá. Precisava andar. Muita coisa estava se passando na minha cabeça.

(Saí de regata vermelha, tênis vermelho, bermuda vermelha, mochila vermelha, minhas meias brancas combinavam com os fones de ouvido. Era o que tinha sobrado limpo na minha mala, era pra eu ter lavado roupa no dia anterior. De qualquer forma, meu guarda roupa basicamente é, de um lado, roupas pretas, e de outro, alguns pontos aqui e ali de cor, todos pontos vermelhos. Parece o apartamento que um designer de interiores faria para um homem solteiro e hetero, que talvez trabalhasse na Faria Lima, e talvez tivesse paredes e chão de cimento queimado, com algum respiro de cor em alguns cantos. Meu guarda-roupa é minimalista, pra resumir. Ficou um visual dândi. Algo que combina comigo e que definitivamente chama a atenção dos cariocas matutinos)

Andando pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, acompanhando as lojas se abrindo com o amanhecer e fones nos ouvidos, trocando compulsivamente de música para música, procurando algo que me fizesse cantar. Passei por um conhecido, mas ele fingiu não me ver. Não sei se era a minha roupa peculiar, não sei se era minha cara amassada, não sei se ele simplesmente acorda de mal-humor.
Logo em seguida, ouvi alguém gritar "HEY", buzinar insistentemente, e diminuir a velocidade do carro em que estava, se aproximando lentamente da minha calçada, e ficando no ritmo dos meus passos. Não era prudente no Rio de Janeiro dar atenção àquilo, mantive meu passo sem olhar quem era. Mas... será que não era o Esaú??? Tinha que ser ele, só podia ser ele, tinha que ser ele. Eu estava perto da casa dele, não estava? Tudo é tão igual na avenida Nossa Senhora de Copacabana, às vezes é difícil se localizar e saber onde se está exatamente.


(Após aquela tarde no apartamento dele, só voltei a ver o Esaú 6 anos depois, por acaso, numa ruela no centro do Rio. Ele continuava bonito de embasbacar.
As minhas dúvidas daquela época já haviam sido sanadas, mas inadvertidamente ele disse o que tinha visto em mim. Não sei se saber disso foi bom ou ruim. Ou mesmo se foi importante essa informação em si, naquela altura.)


Olhei. Era o moreno do reservado da boite.
_ O que foi aquilo que você fez no banheiro???
Não respondi. Não tava com cabeça pra elaborar nada. Queria solidão.
_ Entra aí.
Não me restava nada na alma. Ele parou o carro junto a calçada, abriu a porta, eu entrei.

Depois de arrancar, ele disse que na verdade já estava perto de casa mas que dava tempo da gente conversar.
Eu preferia que ele tivesse ficado em silêncio. Mas não ficou, ficou falando um monte de coisas que não ouvi, apesar de ter tirado os fones. Não prestei atenção, fiquei prestando atenção no caminho, reconhecendo as ruas.
De repente diminuiu a velocidade, fez uma curva lenta enquanto abria o portão da garagem de um prédio com o controle remoto. Eu em silêncio. Subimos o elevador. Ele continuava falando, eu em silêncio. O que eu poderia dizer?
Na porta, senti um cheiro. Ele disse algo como "não repare a bagunça".
Pelo aspecto do apartamento, ele morava sozinho. Fomos direito pro quarto dele. Ele foi se aproximando de mim até eu cair sentado na cama.
Começou a tirar toda a roupa. Revelou um corpo de carioca, de quem mora no litoral. O silêncio agora era de nós dois. Ele passou então a tirar tudo que havia de vermelho em mim, e se deitou pesado sobre meu corpo na cama. Eu quebrei o meu silêncio, disse "eu só transo com camisinha".
Ele deu um sorrisinho de canto de boca e mexeu os olhos como quem diz que aquilo já tinha ficado claro, e completou "Eu não transo sem camisinha. Sexo sem camisinha é apenas pra quem eu boto pra usar meu namorado."

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